ÀKÚDÀÁYÀ
o morto-vivo na crença iorubá.
Entrevista com os babalaôs Ifáiyemí Elebuíbon, de Òsogbo
e Awoyemí Aworeni, Arabá de Ifé.
Jornal Nigerian Compass
23 de Maio de 2009
Tradução de Luiz L. Marins
https://culturayoruba.wordpress.com
Fevereiro de 2012
RESUMO
Este texto trata da crença iorubá de Àkúdàáyà, o morto-vivo, que acredita-se ter morrido antes do tempo determinado, de que forma o falecido, não volta ao mundo espiritual imediatamente, mas continua a viver aqui neste mundo, em outro lugar que ninguém o conheça, com a aparência normal de um vivo, inclusive constituindo nova família, só voltando de fato ao mundo espiritual
após haver cumprido seu tempo de vida.
Os iorubás acreditam que o ser humano antes de nascer no mundo físico (ayé), adquire no mundo espiritual (òrun), especificamente na casa Àjàlá, também chamado de Àjàlámòpín, o oleiro de Olodumare (Deus), um destino pronto chamado orí ou odù ou ìpín (daí o seu nome), que estabelece a data de sua volta, após cumprir um determinado tempo de vida no mundo físico. Entretanto, segundo a crença iorubá, se por qualquer motivo alguém morra antes do tempo previsto, esta pessoa pode tornar-se um àkúdàáyà (acudaáia), um fantasma, um morto-vivo, até que complete seu tempo determinado, embora isto não seja uma regra geral.
Este àkúdàáyà vive uma vida normal em outra região, longe de onde morreu, agindo como se fosse uma pessoa viva. O Dicionário de Iorubá Moderno (Abraham, 1962, p. 46) assim o descreve a palavra: “fantasma de um morto", que aparece em outros lugares além de sua própria cidade. O conceito de àkúdàáyà está ligado à Noção de Pessoa e na forma como os iorubás acreditam na vida após a morte.
O jornal Nigerian Compass 2 na edição n. 393, na data de 23 de Maio de 2009, publicou importante matéria sobre o tema, com o título: Bizarre ... but true (Bizarro … mas verdadeiro), descrevendo vários casos de àkúdàáyà, entrevistando dois renomados babalaôs para esclarecer o tema: Ifáyemí Elebuíbon, na época era babalaô da cidade de Òsogbo, e atualmente o Arabá desta cidade; e Awoyemí Aworemi, que já era Arabá de Ifé.
Não é nosso objetivo transcrever a matéria completa com os casos citados pelo jornal, mas
registrar as entrevistas com os babalaôs Ifayemí de Osogbo, e Aworeni, que comentam o tema.
As palavras em ioruba serão transcritas tal qual grafadas na publicação original, sem nenhuma correção. As notas de rodapé serão todas nossas, pois o jornal não ofereceu nenhuma.
ENTREVISTA COM O BABALAÔ IFAYEMI ELEBUÍBON
Os Iorubá acreditam na concepção de akudaaya?
Sim, acreditam. Akudaaya são aqueles que morreram sem completar seu tempo de vida, e que vão para outros lugares, para completá-lo.
Existe algum lugar específico onde os akudaaya se reúnem e habitam?
Não, não há nenhum lugar específico. Eles apenas podem ser encontrados, mais em um certo local, do que em outro, particularmente um mercado. A única certeza é que eles vivem no nosso meio. Alguém que morreu em Osogbo pode reaparecer em Ibadan ou Lagos, um lugar que ninguém saiba de sua existência anterior, e ali continua vivendo. Isto é o que acontece, não que haja um cidade ou vilarejo particular para eles. Mas eles não podem ser reconhecidos ou identificados com os olhos normais. Somente aqueles que os conheceram em vida é que podem reconhecê-los e dizer que a aparência daquela pessoa é como Lagbaja.
Então, este ser deverá ter a aparência de alguém que já morreu?
Sim e não. Muitas vezes ele tem esta aparência, mas por que ele está morto, será difícil para os parentes e conhecidos aceitarem o fato de que eles estão vendo alguém que tenha atualmente morrido. Mas quando este ser percebe que alguém que o conhece está próximo, ele pode trocar sua forma, ou desaparecer totalmente.
Eu tive uma experiencia quando ainda era muito jovem. Meu pai também foi um babalaô de Ifá, e o que ele mais fez em sua vida foi reviver pessoas, principalmente em partos difíceis.
A história é esta:
“Um certo dia nós estávamos trabalhando no funeral de outro babalaô. Havia muita comida e bebida. De repente, um homem com roupa de etù, após lhe ser oferecido uma cabaça com vinho de palma, caiu [morto]. Imediatamente ele foi transportado ao quintal para ser socorrido pelos seus amigos. Mas isto tornou-se um desafio para seus companheiros babalaôs que tentavam reanimá-lo. Depois que eles tentaram tudo que sabiam, chamaram meu pai.
Ele perguntou-lhes se tinham feito tudo o que sabiam, e o que é que tinham feito. Após ele ter certeza que tinham feito tudo, mas falharam para reviver o homem morto, meu pai tentou, e como de costume, eu estava com ele. Ele começou a cantar um ofo, alto, para meu benefício, é claro, pois ele fazia isso para eu ouvir. Eu ouvi. Ele cantou, cantou, cantou sobre os pés e a coroa do homem. Num certo momento, ele cantou:
“Ojimokunde ti 'lekun”
“Aja ki won mo lhein ekun pa”
“Ojimokunde ti 'lekun”
Subitamente, o morto começou a contorcer-se como uma cobra, suando muito e profusamente. Meu pai ordenou que o homem fosse abanado. Após um pouco, ele voltou à vida. E meu pai perguntou a ele:
“Dokun, por que você fez isto? Você sabe que interrompeu o funeral de Ajala?”
O homem respondeu a meu pai que ele foi, mas que ele ouviu seu nome quando foi chamado, somente ele não podia responder. Ele disse que quando ele foi, ele viu sua casa. Ele sentou-se do lado de fora e esperou que a porta fosse aberta para ele pudesse entrar. Enquanto ele esperava, ele viu um homem alto com cachorro enorme. Este homem perguntava a ele por que ele não respondeu quando ouviu seu nome ser chamado. Ele disse ao homem alto que ele ouviu seu nome ser chamado, mas que não podia responder, e apenas estava esperando a porta de sua casa ser aberta, para que ele pudesse entrar. O homem bateu-lhe nos ombros com um abano e ordenou-lhe que respondesse para aqueles que o estavam chamando. E foi esta ação que o enviou de volta e ele acordou. Assim ele narrou esta experiência ao meu pai.” Porém, o akudaaya é diferente deste caso, pois ele não volta para a vida imediatamente. Ele morre, e é enterrado, ressurgindo em outro lugar, para continuar sua jornada sobre a Terra e completar seu tempo.
Este tipo de seres realmente existem, porém, eles não podem ser identificados e reconhecidos pelos olhos humanos. Há noticias que alguns deles vão para outras outras terras, se casam, e posteriormente enviam sua mulher e seus filhos para casa. Mas eles encontram uma desculpa para não acompanhá-los diretamente, mas dão-lhes orientação sobre direção de sua casa de origem, e
como pode ser localizada. Há um acontecimento que foi registrado por Ifá e que pode estar relacionado com isto. Este acontecimento pôs fim à pratica de levar o morto para Igbo Ifeyinti (floresta de retiro ou descanso):
Ide-Ogunda (Idi-Ogunda, Odi-Ogunda
Uma mulher é chamada Eleru por Ifá. Antigamente, a terra não era cavada para enterrar os mortos. Antes, o morto era levado para a floresta onde sua costa deveria ser colocada encostada em uma árvore, e suas coisas seriam colocadas ali, futuramente, para ele. É por isto que eles chamam a morte de Ifehinti, que significa “descansar as costas de alguém contra alguma coisa”. Por isso, eles nunca chamavam de morte, mas de descanso ou retiro.
Erelu, que era mulher de Orunmila foi chamada por um homem para um romance. Após recusar por um tempo, mas com a constante pressão por parte desse homem, ela consentiu ter um romance com ele, mas antes ela arquitetou um plano para enganar seu marido.
Ela fingiu estar doente e que tomava todos os remédios. Após um tempo, fingiu ter morrido. Assim, levaramna para a floresta dos mortos. Entre aqueles que a levaram para a floresta, estava seu amante Ajinibase. Ambos fugiram
para outra cidade conhecida como Iwoye. Ajinibase, após a morte de seu pai, que era um rei, veio a ser o monarca de Iwoye. E foi assim que Erelu vei a ser Olori (rainha). Mas, sendo uma comerciante, Erelu vendia seus artigos (quiabo, pimenta e outros produtos) na frente do palácio. As pessoas que vinham de Ile Ife e que viram Erelu, diziam para Orunmila que viram sua mulher em Iwoye.
Até que um certo dia, um homem suspeitou que ela era mulher de Orunmila, olhou para ela durante muito tempo, encarando-a. Isto aborreceu Erelu, que retrucou, cantando:
“Bo o okra, o okra”
“Bo o ba gbe ni, o gbeni”,
“Ewo la bo ro teju moni ka maa si ju?”
Após observá-la por algum tempo, o boato começou a chegar até Orunmila, de que sua mulher, Erelu foi vista em vários lugares fora da cidade. Quando muitas pessoas começaram a falar que viram sua mulher em Iwoye, ele foi consultar seu oráculo para verificar. Ifá confirmou que realmente a mulher não havia morrido, e que agora ela estava residindo em Iwoye. O oráculo orientou-o sobre o que ele deveria fazer para tê-la de volta. Ele seguiu as orientações de Ifá, e conseguiu trazê-la de volta a Ile Ife, e o monarca de Iwoye caiu em desgraça. Foi assim que os mortos deixaram de ser levados para Igbo Ifehinti, mas começaram a ser enterradas.”
Atualmente, aqueles que são enterrados na terra, mas cujos dias [de vida] ainda não foram cumpridos, podem transladar-se para outros lugares para completar seu tempo de vida. Se alguém morre antes do tempo, seja por maldade ou feitiçaria, ele ou ela irá para outras terras, para continuar a viver ali. Assim, o morto poderá fazer o que ele não pode fazer em vida. É por isto que eles são chamados akudaaya: alguém que morreu, se transformou e foi viver em outro lugar.
Sobre aqueles que dizem ter ido para outro lugar, terem casado, tiveram filhos e que sustentavam a família. Como será seu destino agora?
Aqueles que não saem imediatamente, poderão ser descobertos. Eles deverão ir e levantarse em outro lugar.
Você tem experiência pessoal com algum deles, que retornaram com filhos?
As pessoas dizem isto aconteceu, aqui em Osogbo, em Oyo, e assim por diante. Um tio meu contou-me [sobre o caso] de Oyo:
“O nome [de um certo] homem era Abu. Ele estava no vindo do Norte quando ele teve uma acidente e morreu. Mas ele voltou. Entretanto, em vez de voltar para a cidade de Oyo, ele retornou para a fazenda. As pessoas que ouviram falar de sua morte, fugiam dele. Algumas confrontavam-no dizendo a ele que ouviram que ele havia morrido, mas ele dizia que não, que apenas trocara de forma. Porém, haviam pessoas que o viram morrer, que estavam no mesmo veículo, e viram o seu corpo [morto].
Eles também o confrontavam dizendo que o viram morrer, mas ele insistia que em afirmar não havia morrido. Todos fugiram do vilarejo e ele foi o único que ficou. Apesar disso, ele não deixou o lugar. Todos aqueles que sabiam de sua
morte, não o aceitavam. Seu caso foi complicou-se por causa daqueles que viram-no morrer e viram seu corpo [ser enterrado], apesar dele ter retornado no terceiro dia após o acidente quem morreu. Assim, ele foi o único que ficou na
colonia e permaneceu ali até o resto de sua vida.”
Outro caso aconteceu aqui em Osogbo:
“Havia um homem Adepoju, de Akolodo, que morreu aqui em Osogbo. Mas em Sagamu, onde ele materializou-se, ele era um alagbaro (trabalhador rural). Ali ele encontrou uma mulher que era alabaru (comerciante viajante). Ele cortejou-a e ela aceitou. Então eles começaram a viver juntos. Mas, de acordo com a mulher, todo ano quando o festival de Osun Osogbo se aproximava, ela pedia a ele para para deixá-la assistir, assim ela teria a oportunidade de conhecer seu povo, mas ele recusava. Como era uma tradição anual, um ano ele concordou em trazer ela e os filhos para Osogbo. Mas, ao chegar em Osogbo naquele fatídico dia, ele a orientou a perguntar pelo campo de Lakinsokun e esperar por ele, pois ele queria informar que sua família veio. A mulher, sem suspeitar, com concordou com a orientação do marido, e saiu apressadamente para seu destino.
Ao chegar no lugar onde seu marido pediu que ela fosse, ela tomou o choque da sua vida. Ela disse às pessoas, que seu marido havia dito-lhe que se apresentasse como a mulher de Adepoju. Então, os anciões da família, após reunirem-se, revelaram a ela que Adepoju havia morrido anos antes. Então eles mostraram para ela a sua sepultura, mas assim que eles viram as crianças, eles acreditaram na mulher. Ela voltou para Sagamu para encontrar seu marido,
mas nunca mais o viu.
Isto, definitivamente, é o que os iorubás chamam de akudaaya. A única é que estas pessoas não voltam para suas raízes, nem para o lugar onde viviam antes. São como a cobra que lança fora sua pele. Podemos segurar a casca da sua pele, mas não a cobra, pois ela irá viver em outro lugar.
Assim são estes seres humanos. Todos os nossos esforços, espirituais ou não, são justamente para assegurar que não morreremos antes do tempo, e que viveremos todo o tempo destinado, e que não morreremos antes deste tempo chegar. Quando alguém morre antes do tempo, esse alguém vem a ser um akudaaya, um errante, que gastará seu tempo restante em outro lugar.
Por que muitas pessoas acreditam que estes espíritos vivem em Ile Ife?
É por causa da crença que, quando alguém morre, a grande estrada para o além é m Ile Ife. Antigamente, quando alguém foi para o caminho dos seus ancestrais, ele tinha ido para Ile Ife. Isto é por causa da crença que vida começou em Ile Ife. É de onde viemos e para onde retornaremos. Esta
é a crença dos Iorubá.
Existe uma idade certa na crença Iorubá quando o ciclo de vida pode ser dito que está no fim, como alguns acreditam ser aos setenta anos?
Não, não existe tempo ou idade certa, mas os Ioruba acreditam que um indivíduo deve crescer e envelhecer antes de morrer.