Esclarecimentos - Egungun
Esclarecimentos - Egungun

EGUNGUN

No ritual de Egungun, reside um dos maiores mistérios da cultura e ritualística Yorubana e Dahomeana. O culto ao Òrisa Egungun, é um culto aos antepassados das pessoas falecidas que eram iniciadas no ritual dos Orixás ou Voduns ou ainda, no próprio ritual de Egun, pessoas que marcaram sua trajetória de forma ilustre e foram condutores de virtudes e conduta ilibada. Este ritual não é uma propriedade africana única. No Japão, existe uma semelhança no culto aos antepassados também e que é de prática nacional. É tão sério e popular, que consegue manter a nação unida em torno desta prática. A única diferença entre estes dois cultos é que no Japão não existe a materialização dos antepassados, enquanto que na Nigéria, no Togo, Benin e Brasil, estas “aparições” são comuns e visíveis a todos os presentes.


É também comum na Nigéria vê-se os Ojés (sacerdotes de Egungun), provocando estas materializações, quando jogam várias roupas (axós – trajes) de Egungun no chão e minutos após, estas começam a inflar e tomar formatos humanos como se corpos existissem dentro de cada uma delas. Tais fenômenos acontecem em plena luz do dia, na rua e diante dos olhos de todos. O ritual começa no Ojubó (camarinha secreta), com oferendas, local onde as roupas são abençoadas e recheadas dos “axés”(força e poder), do ritual. Posteriormente, é feita a oferenda de um “agutã”(carneiro), sobre o “gbodô (pilão) o qual será levado à praça pública e invertido no chão, ou seja, colocado de cabeça para baixo. Após tais atos o Ologbô (sumo sacerdote de Egun) manda distribuir as roupas de cada Egungun que irá se materializar, no chão separadas a cada três metros. Ato contínuo, começam as cantorias sob o rítimo frenético dos “abados” (abanadores de palha) batidos em bocas de porrões” (grandes vasos de barro com bocas largas), acompanhados por “gans e agogôs” (sinetas de metal). – Tudo isto segue uma ritualística e está rigidamente dentro de uma hierarquia milenar.


Os “cargos” (títulos sacerdotais) estão dentro de uma nominação que assim está determinada em escala ascendente:

1 Ojé – 2 Eiedun – 3 Ojé Lese Egun – 4 Ojé alagbá – 5 Alapini – 6 Alagbá e 7 Ologbô. – O ritual é masculino e só permite a entrada de mulheres que sejam filhas de Oyá (Iasan) Igbalé, Oyá Zagan, Oyá, Messe Egun, Oyá Tolú e Oyá Izô. Existe um cargo intermediário com o nome de “Ojé Lesse Orisá”, que determina uma intermediação entre o Egungun e o “sirê” (toque) de Orisás ligados aos antepassados. Este cargo e ritual fica mais encravado no ritual de Geledê” da raiz Jêje.

 

 

CONCEITOS DE VIDA E MORTE NO RITUAL DO ÀSESÉ



Nas mais diferentes culturas, a concepção religiosa da morte está contida na própria concepção da vida e ambas não se separam. Os yorubás e outros grupos africanos que formaram a base cultural das religiões afro-brasileiras acreditam que a vida e a morte alternam-se em ciclos, de tal modo que o morto volta ao mundo dos vivos, reencarnando-se num novo membro da própria família. São muitos os nomes yorubás que exprimem exatamente esse retorno, como Babatundê, que quer dizer "O-pai-está-de-volta".

Para os yorubás, existe um mundo em que vivem os homens em contato com a natureza, o nosso mundo dos vivos, que eles chamam de ayié, e um mundo sobrenatural, onde estão os Òrìsás, outras divindades e espíritos, e para onde vão os que morrem, mundo que eles chamam de orum. Quando alguém morre no ayié, seu espírito, ou uma parte dele, vai para o orum, de onde pode retornar ao ayié nascendo de novo. Todos os homens, mulheres e crianças vão para um mesmo lugar, não existindo a idéia de punição ou prêmio após a morte e, por conseguinte, inexistindo as noções de céu, inferno e purgatório nos moldes da tradição ocidental-cristã.

Não há julgamento após a morte e os espíritos retornam à vida no ayié tão logo possam, pois o ideal é o mundo dos vivos, o bom é viver. Os espíritos dos mortos ilustres (reis, heróis, grandes sacerdotes, fundadores de cidades e de linhagens) são cultuados e se manifestam nos festivais de egungum no corpo de sacerdotes mascarados, quando então transitam entre os humanos, julgando suas faltas e resolvendo as contendas e pendências de interesse da comunidade.

O papel do ancestral egungum no controle da moralidade do grupo e na manutenção do equilíbrio social através da solução de pendências e disputas pessoais, infelizmente, não se reproduziu no Brasil.

Embora o culto ao egungum tenha sido reconstituído na Bahia em uns poucos terreiros especializados, o candomblé de egungum da Ilha de Itaparica (Braga, 1992), mais tarde também presente na cidade de Salvador e em São Paulo, está muito distante da prática diária dos candomblés de Òrìsás e praticamente divorciados da vida na sociedade profana, perdendo completamente as funções sociais africanas originais, de tal modo que a religião africana no Brasil, disseminada pelos terreiros de Òrìsás, acabou por se constituir numa religião estritamente ritual, uma religião a-ética, uma vez que seus componentes institucionais de orientação valorativa e controle do comportamento em face de uma moralidade coletiva exercitada nos festivais dos antepassados egunguns ausentaram-se completamente da vida cotidiana dos seguidores da religião dos Òrìsás.

O ideal yorubá do renascimento é as vezes tão extremamente exagerado, que alguns espíritos nascem e em seguida morrem somente pelo prazer de rapidamente poder nascer de novo. São os chamados abicus (literalmente, nascido para morrer), que explicam na cultura yorubá tradicional as elevadas taxas de mortalidade infantil. Em geral, um abicu renasce seguidamente do útero da mesma mãe.

Quando uma criança é identificada como sendo um abicu, muitos são os ritos ministrados para impedir sua morte prematura. Assim como a sociedade Egungum cultua os antepassados masculinos do grupo (Babayemi, 1980), outra sociedade de mascarados, a sociedade Gueledé, celebra a mães ancestrais, às quais cabe também zelar pela saúde e vida das crianças, inclusive os abicus (Lawal, 1996).

Os festivais Gueledé não sobreviveram no Brasil (segundo o Professor Agenor Miranda Rocha, em conseqüência de disputas, no começo do século, entre lideranças do candomblé da Casa Branca do Engenho Velho, que provocaram a cisão do grupo e fundação do Axé Opô Afonjá por Mãe Aninha Obá Bií).
Também não sobreviveu integralmente a idéia de abicu e o termo passou a designar, em muitos candomblés, as pessoas que são consideradas como tendo nascido já iniciadas para o Òrìsá a que pertencem, não devendo, assim, ser raspadas, como devem ser os demais que se iniciam na religião. A maneira fragmentária como a religião africana foi se reconstituindo no Brasil implicou, claramente, em acentuadas mudanças nos conceitos de vida e morte, mudanças que vão afetar o sentido de certas práticas rituais, especialmente quando sofrem a concorrência de ritos católicos e de concepções ensinada pela Igreja.

A tradição cristã ensina que o ser humano é composto de corpo material e espírito indivisível, a alma. Na concepção yorubá, existe também a idéia do corpo material, que eles chamam de ara, o qual com a morte decompõe-se e é reintegrado à natureza, mas, em contrapartida, a parte espiritual é formada de várias unidades reunidas, cada uma com existência própria.

As unidades principais da parte espiritual são 1) o sopro vital ou emi, 2) a personalidade-destino ou ori, 3) identidade sobrenatural ou identidade de origem que liga a pessoa à natureza, ou seja, o Òrìsá pessoal e 4) o espírito propriamente dito ou egum. Cada parte destas precisa ser integrada no todo que forma a pessoa durante a vida, tendo cada uma delas um destino diferente após a morte.

O emi, sopro vital que vem de Olorum e que está representado pela respiração, abandona na hora da morte o corpo material, fabricado por Oxalá, sendo reincorporado à massa coletiva que contém o princípio genérico e inesgotável da vida, força vital cósmica do deus-primordial Olodumare-Olorum. O emi nunca se perde e é constantemente reutilizado.

O ori, que nós chamamos de cabeça e que contém a individualidade e o destino, desaparece com a morte, pois é único e pessoal, de modo que ninguém herda o destino de outro. Cada vida será diferente, mesmo com a reencarnação.

O Òrìsá individual, que define a origem mítica de cada pessoa, suas potencialidades e tabus, origem que não é a mesma para todos, como ocorre na tradição judaico-cristã (segundo a qual todos vêm de um único e mesmo deus-pai), retorna com a morte ao Òrìsá geral, do qual é uma parte infinitésima.

Finalmente, o egum, que é a própria memória do vivo em sua passagem pelo ayié, que representa a plena identidade e a ligação social, biográfica e concreta com a comunidade, vai para o orum, podendo daí retornar, renascendo no seio da própria família biológica. Quando se trata de alguém ilustre, os vivos podem cultuar sua memória, que pode ser invocada através de um altar ou assentamento preparado para o egum, o espírito do morto, como se faz com os Òrìsás e outras entidades espirituais.

Sacrifícios votivos são oferecidos ao egum que integra a linhagem dos ancestrais da família ou da comunidade mais ampla. Representam as raízes daquele grupo e são a base da identidade coletiva.
Na África tradicional, dias depois do nascimento da criança yorubá, realiza-se a cerimônia de dar o nome, denominada ekomojadê, quando o babalaô consulta o oráculo para desvendar a origem da criança.

É quando se sabe, por exemplo, se se trata de um ente querido renascido. Os nomes yorubás sempre designam a origem mítica da pessoa, que pode referir-se ao seu Òrìsá pessoal, geralmente o Òrìsá da família, determinado patrilinearmente, ou à condição em que se deu o nascimento, tipo de gestação e parto, sua posição na seqüência dos irmãos, quando se trata, por exemplo daquele que nasce depois de gêmeos, a própria condição de abicu e assim por diante. A partir do momento do nome, desencadeia-se uma sucessão de ritos de passagem associados não só aos papéis sociais, como a entrada na idade adulta e o casamento, mas também à própria construção da pessoa, que se dá através da integração, em diferentes momentos da vida, dos múltiplos componentes do espírito.
Com a morte, estes ritos são refeitos, agora com a intenção de liberar essas unidades espiritiais, de modo que cada uma deles chegue ao destino certo, restituindo-se, assim, o equilíbrio rompido com a morte. 

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